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Maria Tenório de Albuquerque Lins, a primeira vereadora de Atalaia, de Alagoas e umas das primeiras do Brasil

Natural do município de Atalaia, ela foi eleita em 1935 a primeira representante feminina de Alagoas em uma Câmara Municipal.

08/03/2019 às 16h30 Atualizada em 04/05/2019 às 18h03
Por: Phablo Monteiro
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Maria Tenório é filha do ex-Intendente (prefeito) de Atalaia, João Evangelista da Costa Tenório.
Maria Tenório é filha do ex-Intendente (prefeito) de Atalaia, João Evangelista da Costa Tenório.

“Uma pessoa muito querida, determinada, corajosa, independente e que não se prendia muito ao passado, pois, era uma pessoa muito além de sua época”, é dessa forma que Maria Tenório de Albuquerque Lins é descrita por sua neta, Maria Cristina. Eleita em novembro de 1935 para a Câmara Municipal da cidade de Atalaia, tornou-se a primeira mulher alagoana a ocupar um cargo no Legislativo Municipal.

Nascida no início do século XX, na cidade de Atalaia, Maria Tenório de Albuquerque Lins, a Lili, como carinhosamente era chamada pelos mais próximos, foi a primeira filha mulher de uma grande prole de 13 filhos do Coronel João Evangelista da Costa Tenório com a senhora Anna de Melo Lins.

Seu pai era senhor de engenho, proprietário do Engenho Estrela, localizado na região da Ouricuri. Grande liderança política em Atalaia, exerceu por várias Legislaturas o cargo de Conselheiro Municipal (vereador) e, em 1910, foi candidato a Intendente (prefeito), sendo eleito para um mandato de dois anos. O destaque político conquistado pelo Coronel ao longo desse tempo iria influenciar muitos de seus filhos a seguirem a vida pública, incluindo a sua filha mais velha.

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Em 22 de fevereiro de 1923, o Engenho Estrela estava em festa para celebrar o matrimônio de Maria Tenório com seu primo de primeiro grau, por parte de mãe, o jovem senhor Miquilino Netto Sobrinho, pertencente as tradicionais famílias atalaienses: Marinho de Mello e Carvalho Raposo.

Desse enlace matrimonial nascem oito filhos: Afrânio Raposo Tenório, Juarez Raposo Tenório, José Raposo Tenório, Ivana Raposo Tenório, Elsa Raposo Tenório, as gêmeas Ivone Raposo Tenório e Ione Raposo Tenório e, o filho caçula Gilvan Raposo Tenório, que anos mais tarde se casaria com um de suas primas, filha do irmão mais novo de sua mãe, o Major José Tenório, ex-prefeito de Atalaia por dois mandatos.

Após o casamento, Maria Tenório passa a residir no Engenho Olhos D’água, também em terras atalaienses.

Representando desde 2000 a maioria do eleitorado brasileiro, com votos capazes de mudar os rumos de uma eleição, a participação efetiva da mulher nas eleições, com direito de votar e ser votada só foi conquistada na década de 1930, após o Código Eleitoral elaborado durante o governo do então presidente Getúlio Vargas. A vitória foi alcançada depois de anos de mobilização de mulheres, que se organizaram na luta pelos seus direitos políticos e pelo respeito à sua cidadania.

O decreto de Vargas número 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, instituiu o Código Eleitoral Provisório, que beneficiava as mulheres. De acordo com o documento, eleitor é todo “cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo”. O código permitia o voto apenas de mulheres casadas, com autorização do marido, e de viúvas e solteiras com renda própria. As restrições só foram eliminadas no Código Eleitoral de 1934, com o pleno exercício do voto feminino, mas sem obrigatoriedade.

Em prol da participação feminina efetiva e disposta a não mais aceitar o jogo político que lhes eram impostos neste universo, até então masculino, Maria Tenório resolve encarar com muita coragem esse desafio, marcando assim seu nome na história. Em novembro de 1935, participa das eleições municipais de Atalaia, concorrendo ao cargo de vereadora, ao lado de outros membros de sua família: seu irmão Luiz Tenório, seu cunhado e ex-prefeito/interventor Abílio Leão da Cunha e seu sobrinho, Nestor Tenório de Oliveira. Todos foram eleitos.

Foi a primeira mulher a ocupar o cargo de vereadora na cidade de Atalaia, a primeira no Estado de Alagoas, a segunda ou terceira em todo o Nordeste e uma das primeiras em todo o território brasileiro. Seu mandato durou de 02 de janeiro de 1936 até 10 de novembro de 1937, quando foi interrompido em razão da ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas, que decretou, entre outros, o fechamento das Câmaras Municipais de todo o Brasil.

A primeira vereadora do Brasil vem do primeiro estado brasileiro a garantir às mulheres o direito ao voto, que foi o Rio Grande do Norte, em 1927. Júlia Alves Barbosa, uma das primeiras eleitoras do Brasil, foi eleita para uma cadeira na Câmara Municipal de Natal, no mandato que se iniciou em 1928. A segunda vereadora foi Raymunda de Vasconcellos Dias, que foi eleita em 02 de setembro de 1935, para a Câmara Municipal de Itacoatiara-AM e que tomou posse em 20 de dezembro do mesmo ano. Francisca do Céu Ribeiro Souza, em Belém do Pará e Laurentina Pugas Tavares, em Salvador — BA, foram outras mulheres eleitas vereadoras na mesma época da vereadora atalaiense.

Sobre sua curta, mas pioneira trajetória política, sua neta Maria Cristina nos conta que Maria Tenório era alguém que sempre gostava muito de ajudar as pessoas, pois, desejava um país mais justo e esse espírito solidário foi o que mais lhe motivou em seu ingresso na vida pública. “Contava-me também que há muito custo conseguiu fazer uma estrada, para que a população deixasse de pagar pedágios que muitos fazendeiros cobravam para a passagem de mantimentos, que vinham em carroça de boi. Por conta disso, foi ameaçada de morte por fazendeiros da região”, destaca.

Em uma de suas viagens da Ouricuri à cidade, andava a cavalo quando o animal, sentindo a presença de alguém, se assustou e ficou sobre às duas patas traseiras, fazendo com que a vereadora soltasse a mão direita das rédeas de seu cavalo, justamente no momento em que levava um tiro. Esse movimento livrou Maria Tenório da morte, já que o tiro pegou apenas em um de seus dedos, que ficou curvado para o resto de sua vida.

Por conta desse episódio e prevenindo uma tragédia maior, o Coronel João Evangelista a proibiu de continuar exercendo o seu mandato. Por solidariedade, seus parentes que exerciam junto com ela a edilidade, também deixaram de comparecer as sessões. Não renunciaram aos seus mandatos, já que passaram a receberem faltas “sem causa justificada”, o que comprovava a rixa política do grupo dos Tenórios com os demais vereadores da época.

Após o término do mandato pioneiro da vereadora Maria Tenório, a cidade de Atalaia só votou a ter a participação feminina nos espaços de decisão política na década de 60, com as vereadoras Edite Vieira Camêlo e Isa de Medeiros Duarte.

Sua marcante personalidade e coragem não ficariam restritas a sua participação política. Em uma época de tamanha dominação masculina, resquícios ainda do coronelismo, Maria Tenório, não se sujeitando a condição matrimonial em que vivia, pede a separação ao seu marido, se colocando contra a vontade de seus irmãos e abrindo mão da herança a qual tinha direito.

Após a separação, vai residir sozinha no Estado da Bahia, com a intenção de abrir uma pensão. Sem a herança, pede ajuda aos seus irmãos, porém, todos se recusam a ajudar, já que desejavam que ela voltasse para o marido.

Na Bahia, sem dinheiro e doente, contrai febre tifo, uma doença infectocontagiosa, causada por bactéria. É auxiliada por uma prima, Damaris Lins, que residia no Rio de Janeiro e resolve acolher em sua casa a ex-vereadora atalaiense, cuidando de sua saúde. Tornam-se grandes amigas.

Recuperada e após um período residindo na casa de sua prima, vai morar na cidade de São Paulo, onde passa a trabalhar de babá na Avenida Paulista. Acompanham Maria Tenório nesta nova jornada, seus filhos Juarez, Afrânio e José. Anos mais tarde, Ivana e Elsa foram residir com a mãe.

Retorna a Alagoas em algumas oportunidades. Em 1980, acompanhada por sua filha Ivana, vem para receber uma homenagem. “Ela não queria ser homenageada, pois, dois de seus irmãos estavam por trás disso. Muito geniosa, me disse que se falassem que era uma homenagem, diria que na hora que mais precisou, os irmãos deram as costas para ela. Tinham até chamado a imprensa e queriam fazer um busto dela, mas a entrevista não aconteceu, pois, devem ter ficado com receio”, comentou Maria Cistina, destacando que foi algo muito rápido e que não recorda em qual cidade aconteceu.

Possuía uma miopia muito forte e que apresentou grandes complicações após uma operação de catarata. Perdeu completamente a visão durante dez anos. Sua neta lembra que foi um período muito difícil para a primeira vereadora de Alagoas. “Mas, sempre muito lúcida e a par de toda movimentação política no país. Sempre dizia que não daria certo na política, pois, era honesta demais”, comenta Maria Cristina.

Maria Tenório de Albuquerque Lins faleceu no dia 02 de agosto de 2000.

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