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História Pioneira

Alcina Carolina Leite Pindahíba

Poetisa alagoana de Atalaia, escreveu inúmeros sonetos e poemas.

28/03/2021 às 10h33 Atualizada em 31/03/2021 às 21h07
Por: Phablo Monteiro
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Imagem ilustrativa, retratando uma escritora/poetisa do século XIX.
Imagem ilustrativa, retratando uma escritora/poetisa do século XIX.

Poetisa, professora, pioneira e símbolo de resistência feminina em uma época literária dominada por homens. Essa é Alcina Carolina Leite Pindahíba, nascida em Atalaia em 21 de junho de 1854, filha de Francisco Antônio de Paula Pindahíba e Maria do Nascimento Leite.

Alcina é irmã do professor primário público e jurista Antônio Francisco Leite Pindahyba autor de três obras para a infância: Arithmetica Rudimentar (1877), Rudimentos da Grammatica Nacional (1877) e uma cartilha de alfabetização Iris da Escola (1880). Antonio Francisco Leite Pindaíba foi Intendente / Prefeito de Maceió entre 1892-1894.

Órfã de pai aos 6 anos, mudou-se para Coqueiro Seco, onde aprendeu as primeiras letras na residência dos avós. Porém, nunca esqueceu suas raízes atalaienses, que lhe serviu de cenário para muitas de suas obras literárias. Desde muito criança revelou pendor pelas letras.

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Formada pelo Curso Normal de Maceió, assumiu com apenas 19 anos de idade o cargo de professora pública provincial destinada a ensinar o primário ao sexo feminino, em 1873, na cidade de Coqueiro Seco (AL).

Também lecionou em Santana do Ipanema e Mandaú-Mirim. Mais tarde, em 1892, foi nomeada professora do sexo masculino de 2° grau da Escola Modelo de Maceió. Depois passou a trabalhar como agente dos Correios.

“Quem conhece a exma. Professora D. Alcina Leite sabe que ela, por um esforço quase superior a sua vontade, exerce o magistério. Por muitas vezes, tendo ocasião de ser colocada em centros populosos, sempre recusou, não obstante ser uma das mais adiantadas pelo seu talento bastante cultivado, em conseqüência de não suportar sua saúde, trabalho forçado. São tão repetidos os ataques de asmas que sofre essa senhora e tais alterações lhe tem este terrível incomodo ocasionado  no organismo, que a primeira vista se conhece não gozar ela saúde”, destacava publicação do jornal Pátria, de 20 de dezembro de 1892.   

Não se casou e dedicou-se, em verdadeiro apostolado, ao ensino das primeiras letras.

“Desde os tempos em que estudava na Escola Normal até o fim da vida, Alcina escreveu versos, deixando muitos poemas e sonetos esparsos pela imprensa”, destaca Adalzira Bittencourt, para o Dicionário bibliográfico de mulheres ilustres, notáveis e intelectuais do Brasil. 

“No século XIX, três mulheres destacam-se na vida intelectual da sociedade alagoana pela coragem de romper barreiras e tornar públicos suas inquietações e sentimentos através da escrita. Pioneiríssima, Alcina Leite Pindahyba”, destaca o livro Gogó de Emas A participação das Mulheres na história do estado de Alagoas, de Schuma Schumaher.

No ano de 1889, na cidade de Maceió, Alcina Leite publicou sua única obra poética, com o titulo Campesinas, pela Tipografia Amintas Mendonça, com versos já circulados em jornais de Maceió, Recife e Laranjeiras (SE).

Sendo o ambiente intelectual da época muito contrário a publicações femininas, tais divulgações só foram possível, pois seu irmão, António Leite Pindahíba, era engajado na imprensa alagoana. Dessa forma, Alcina encontrou espaço para suas publicações.

Deixou poemas e sonetos espalhados pela imprensa de todo o estado. Seus poemas, presentes em Campesinas, já haviam sido publicados de forma pioneira para a literatura feminina alagoana, no jornal Gutenberg, no qual inaugurava a seção Litteratura, em 20 de fevereiro de 1881.

“Alcina Leite, meretissima professora publica de Coqueiro Seco. Tão modesta quão talentosa, a nossa jovem patrícia não vem estrear nas humildes columnas do Gutemberg; em outros jornaes desta capital, e nas paginas do Almanak Luzo-Brasileiro, sob o pseudônimo – Sensictiva – já tem a exma. d. Alcina Leite se revelado poetisa inspirada e culta distincta das letras. Saudamos enthusiasticos a illustrada preceptora alagoana, pedimos-lhe digne-se honrar-nos sempre com as mimosas produções de sua intelligencia brilhante”, (Gutenberg, 20 fev. 1881).

Suas poesias também foram publicadas nos periódicos A Escola, Almanack Litterario Alagoano das Senhoras e no Novo Almanach de Lembranças Luso-Brazileiro, este, editado em Lisboa.

“As duas jovens professoras (Alcina Leite e Maria Lúcia Romariz) protagonizaram o lugar do feminino numa época de vigilância e dominação da publicação masculina ou dos representantes da intelligentsia brasileira. Desse universo, as mulheres eram geralmente conduzidas com prescrições para qualquer atividade que exercessem em público, em particular, a literatura e o magistério. De algum modo, mulheres como Alcina Leite e Maria Lúcia foram pioneiras em colaborar para um lugar social a partir do qual a figura feminina brasileira se beneficiou ao longo do século XX. A formação culta e refinada de mulheres como as jovens alagoa nas era requerida pela elite nacional para a formação de suas filhas, com o propósito de projetá-las para um lugar socialmente diferenciado dos seus contextos. Essa projeção se daria pela circulação de ideias em impressos e nos demais espaços sociais, inclusive na escola, com a modelagem de mentes e corpos pela ação docente. Nesses termos, Alcina Leite e Maria Lúcia não se associavam ao conceito de intelectuais, com “prática de expor e divulgar ideais e credos políticos” (Boto, 2003, pp. 283-4), mas impulsionaram uma luta quase invisível que representava a saída do confinamento do lar para ganhar um lugar público e de prestígio social (Schueler, 2008)”, destaca Maria das Graças de Loiola Madeira, no artigo As composições poéticas de Alcina Leite e Maria Lucia Romariz.

Maria das Graças de Loiola Madeira destaca as características dos versos da poetisa atalaiense: “Com versos de feitura simples, aliada à melancolia e à tristeza, Alcina Leite transformava em poesia a solidão, o amor e a vida mortificada, de forma que seguia uma tradição poética do Oitocentos, ou seja, um lirismo que tinha um apelo quase confessional. No prefácio da obra, o tom intimista do poema anuncia uma vida de sacrifícios e mortificação, mas também as alegrias de quem vivia no campo, próximo à natureza: “Pobre visionaria, fiz da poesia a minha fada consoladora, a minha irmã d’alma, a doce amiga a quem confiei todos os meos segredos: não mais. Como toda gente, eu comprehendo as naturaes alegrias da mocidade, – turbulenta de rapazes, loquacidade de meninas, risadas crystallinas da infância”. Em meio aos versos estão algumas referências de nomes da literatura brasileira que indicam as leituras da ilustre professora, a exemplo de Gonçalves Dias, Lau rindo Rebello, Thomaz Ribeiro, Casemiro de Abreu, Fagundes Varella e José de Alencar. A Julio Verne, ela dedica atenção em Alice (impressões de leitura) (p. 41). O teor dos poemas e dos con tos da professora alagoana pode nos indicar o perfil do magistério ou o viés confessional e romântico, quando passagens bíblicas são referenciadas, como a de Sta. Theresinha de Jesus e de Sto. Antonio de Lisboa, mas também poemas em homenagens, felicitações e dedicatórias a parentes e amigos, por ocasião de nascimentos, casamentos, aniversários e mortes”.

“Embora os vínculos parentais tenham sido decisivos para a inserção de ambas na imprensa periódica, as trajetórias de Maria Lucia e Alcina Leite representaram a expressão de um protagonismo no magistério primário, para o qual a escrita literária funcionou como proteção dos estigmas da sociedade patriarcal, pois ganharam poder de expressão pública, se comparada com a grande parcela de decentes ausentes desses espaços da palavra impressa. Os versos contidos, que anunciavam uma vida silenciada e subjugada à figura masculina, não condiziam com o fato de terem insurgido como figuras ímpares naquele cenário de relações profundamente hierarquizadas”, finaliza Maria das Graças.

Alcina Leite faleceu em Coqueiro Seco no dia 30 de agosto de 1939, aos 85 anos de idade, quando ainda publicava versos de conteúdo religioso no jornal maceioense Gazeta de Alagoas. Produziu seis volumes literários, a maioria, infelizmente, inéditos até hoje.

Numa carta manuscrita enviada de Coqueiro Seco, em 9 de novembro de 1938, a autora de Campesinas se dirige ao colega Aminadab Valente: “O Sr. só me vê através d’aqueles versinhos a N. Senhora”. Além de queixar-se de seu frágil estado de saúde, responde à solicitação de elaborar um escrito sobre suas memórias “O seu gesto pedindo que lhe mande cousa da minha meninice para publicar não me anima, pois nasce da sympatia do Sr. e de suas irmãs pelas minhas tão simples composiçaozinhas, mas é que tudo agora já me cansa, quase não posso nem copiar”.

Em tom de despedida ao escritor Aminadab Valente, que anos mais tarde viria a escrever o livro Atalaia: Sua História, a atalaiense finaliza: “Confesso que já tive a lembrança de despedir-me das pessoas de minha amizade, quando me fosse possível ir a Maceió, e necessariamente teria de ir à casa do senhor”.

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ESMERALDA

          Vamos, meu coração, meu pensamento,

          Voejando nas asas da saudade,

          Vagar por esses campos, onde sorriu-me

                    Em flor a mocidade.

Que sítio encantador! Como a beleza 

Dum casto coração de adolescente 

Lembra um idílio azul; é todo amores

          — Ensina amar a gente...

Aqui, ali, além... por toda a parte, 

Murtas, boninas, cravos olorosos, 

Junquilhos, "não-me-deixes", margaridas, 

          Lilases graciosos.

Lírios... os brancos lírios de minh'alma! 

E as violetas castas e modestas! 

Meu Deus! aqui se abriga, entre verdores, 

          A Musa das florestas.

Eu, entre estas belezas, — borboleta — 

Amo a todas, — volúvel, inconstante... 

Nessa orgia de flores e perfumes 

          Conheço-me... bacante!

Eis da fonte o caminho, marginado 

De mimosas, de frescos rosmaninhos; 

A fina areia bordam-lhe, inquietos, 

          Das rolas as pezinhos...

Foi aqui... foi ali... sob a copada 

Sombra deste cajazeiro

Que eu fabriquei anéis... duns rebentinhos 

De maracujazeiro...

E — pensamento leve como fumo 

Que ondeia além, da rústica choupana, 

Fiz — artista inocente — os meus brinquinhos 

De flor de gitirana.. .

Eis, mais distante, o verde tabuleiro 

Estrelado de agrestes malmequeres, 

Que eu escolhia aos boqueis. . . mas oh ! saudade, 

          Por que assim me feres?

Volta, minha saudade, sê bondosa,

E nunca digas, nunca, oh! não! — por quem

Eu perguntava às inocentes flores

          — Se me queria bem!. . .

 

MEU ANJO ENGANADOR

Meu anjo inspirador aos lábios nega 

Os mimosos sorrisos da ventura, 

Densa núvem a fronte lhe carrega 

          Da pesada tristura!

Meu anjo inspirador é macilento 

Como um raio de luz crepuscular; 

Tem um mundo de dor c sentimento 

          No seu lânguido olhar.

O puríssimo seio não lhe cobre 

Um manto rutilante de esplendor, 

Mas lhe brilham gentis na face nobre 

          As pérolas do amor.

Meu anjo inspirador não se espaneja 

Aos vívidos clarões do rei do dia,

— Profundo cismador — mas livre adeja

          Na escuridão sombria.

Não lhe vibra a voz o raio ardente 

Da eloquência que os ânimos seduz; 

Co’o flébil sôpro a viração plangente 

          Suas falas traduz.

Meu anjo inspirador não se enfeitiça 

Dos perfumes das rosas matutinas;

— Êle quer mais à palidez mortiça

          Do lírio que declina. 

Meu anjo inspirador é grande, imenso, 

Como um abismo de amor e de amizade! 

Vive no meu coração — profundo, intenso, 

          E chama-se — Saudade!...

 

ALLELUIA 

Oh! Rainha dos Céos estremecida!... 

Formosa Estrella que ilumina a Vida!... 

Alegrai-vos Senhora! Bello e forte 

Eis que ressurge, vencedor da morte, 

— Aquelle que do céo, remir-vos veio 

E que trouxeste no amoroso seio! 

Glória nos altos céos! Paz e ventura 

Na Terra a toda humana creatura! 

                   Alleluia! 

Cessa a tormenta: à noite escura e fria 

Sucede bello e radioso o dia; 

Acalma o rouco dos seus fulgores, 

Da primavera ao riso brotam flores... 

Cantai, ó Céos! Na Terra repercuta 

A voz celeste que Maria escuta: 

                  Alleluia! 

Longa noite de enfermo agonisante, 

E que sente partir-se a cada instante, 

da vida o fio que lhe resta ainda, 

fora da Virgem a agonia infinda... 

Mas Elle vive, oh! mãe! alvorada, 

Vinde escutar-lhe a doce voz amada! 

............................................................ 

Vós que estendeis um coração materno, 

Soltai o brado de prazer eterno: 

                   — Alleluia! 

Vencera o Mal: a luz formosa e clara 

Da treva o negro império se curvara; 

Pois morrera como um faccinoroso 

Da cruz pendente o — Todo Poderoso!... 

E emquanto exulta o Mal feroz, insano, 

Funda angústia lacera o peito humano... 

Mas Jesus traz-lhe, na ressurreição, 

— Vida, prazer e luz — a salvação!... 

.......................................................... 

Alegrai-vos, Senhora; cesse  o pranto 

Aos sons divinos do celeste canto 

                   — Alleluia!... 

 

Alcina Leite

Da Revista:  "O Lyrio" nº 16,  fevereiro de 1904, Recife/PE

FONTE:

LEITE, Alcina Carolina. Campesinas. Maceió: Typ. de Amintas de Mendonça, 1889.

Magistério e literatura em periódicos alagoanos da década de 1880: as composições poéticas de Alcina Leite e Maria Lucia Romariz ............................................................................................. 63 Maria das Graças de Loiola Madeira

QUIXABEIRA, Enaura. SILVA, Edilma. Alcina Leite Pindahíba. Dicionário das Mulheres de Alagoas: ontem e hoje. Maceió: Edufal. 2007, p. 25.

LIMA, Mariana. Alcina Carolina Leite Pindahíba. Disponível em: http://www.cedu.ufal.br/grupopesquisa/gephecl/livros-fragmentos/ Acesso em: 13/03/2021

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